Um conto de dois triatlos (parte 2)

By | September 23, 2014

Continuando a história da semana passada eu me encontrava na seguinte situação: Não só eu normalmente tenho aversão a nadar – principalmente em temperaturas baixas – como acabei de ter uma das piores experiências num triatlo – justamente na parte da natação.

Mas o decepcionante mesmo foi o fato de que o problema todo estava apenas na minha cabeça. Analisando friamente (há!) a água gelada é apenas um bloqueio psicológico. Eu sei nadar (péssima técnica, mas sei) e tenho consciência de que não vou me afogar mesmo no pior caso visto toda a equipe de apoio e salva-vidas então tudo que precisava fazer, na verdade, era endereçar meu medo.

Pra mim é bem claro onde o bicho pega: colocar o rosto na água gelada. Perco o fôlego na hora, meu nariz parece encher de água, os sínus doem e bate um pânico. Então a estratégia foi a seguinte: Todo dia depois da janta eu enchia uma tigela com água gelada e cubos de gelo. E ai eu enfiava o rosto lá e segurava o quanto conseguia. E repetia o processo umas 4~6 vezes. Sim, a esposa riu de mim. E o cachorro fugiu da sala a primeira vez que tirei o rosto da água xingando.

Não foi uma experiência agradável. Na primeira vez acho que não consegui ficar com o rosto na água nem 5 segundos. Foi um choque! Mas foi ficando menos pior. Nas últimas vezes que fiz isso devia estar entre 30~40 segundos. E normalmente eu acabava tirando o rosto por causa da dor intensa nos sínus e não por pânico.

Mas apesar do rosto ser a parte crítica o resto do corpo (principalmente peito e costas) também não gostam muito da água gelada então a outra ação foi começar a tomar banho frio. Não estou falando um pouco mais frio do que o normal, nem frio no começo ou no final do banho. Estou falando exclusivamente água fria. E rapá… em casa é água de poço e não esqueçam que moro no Canadá. No primeiro dia acho que xinguei/gemi tão alto que a esposa veio bater na porta do banheiro pra perguntar se eu estava bem. Vou apenas dizer que nos primeiros dias os banhos foram bem curtos.

Mas o corpo acabou acostumando. Aliás acostumei tanto que continuo só tomando banho frio até hoje.

Bom, com a parte da água gelada sendo tratada tudo que eu precisava era só nadar com mais frequência, quem sabe todo dia, até o triatlo pra estar a ponto de bala, certo? Errado: a piscina que usamos fechou em reforma e só iria reabrir na segunda-feira seguinte ao triatlo. Murphy, meu chapa…

Pelo menos esse próximo triatlo ia ser aqui em Dartmouth, só uns 25 minutos de casa. Além disso uma amiga – que é excelente nadadora e completou um ironman recentemente – se ofereceu pra me ajudar treinando algumas vezes lá mesmo onde ia ser o evento.

Mas não só isso, ela estava comigo no triatlo anterior e viu minha decepção e conversou com um amigo dela que me mandou o wetsuit dele!

Um parênteses pra falar do wetsuit: Eu nunca tinha usado um e agora eu sei como uma linguiça se sente. Toda aquela carne espremida numa camada grossa de um tipo de plástico/borracha/espuma. Mas me senti igual o batman naqueles trajes. \o/

Nas duas semanas entre os triatlos eu acabei nadando só 3 vezes. O primeiro dia, na verdade, foi bem curto e acabei mais pegando dicas e técnicas pro triatlo do que realmente praticando e no último dia – 7 dias antes da prova – foi o único treino mais longo. Por volta de uns 500~550m, que fiz em 12 minutos – um tempo fenomenal pros meus padrões.

Nesse ponto eu já tinha feito tudo que podia fazer e mais ou menos já tinha decidido na minha estratégia usual: Sobreviver a parte da natação, puxar um pouco na bicicleta, mas poupar um pouco as pernas para dar aquele gás na corrida.

Mas na quarta ou quinta-feira ou estava ouvindo um podcast do Ben Greenfield e ele fala alguma coisa assim: “As pessoas ouvem conselhos de como correr um Ironman e adaptam isso para um sprint.” Sprint é a distância que eu estava correndo, a mais curta de todas. O que ele quis dizer é que as pessoas fazem exatamente isso que eu estava pensando, sempre se poupando e salvando energia para a próxima parte. E ele emendou: “É só um maldito sprint! Dê tudo de si em todas as partes!”

Considerei um pouco e decidi fazer exatamente isso. Quando finalmente chegou o dia e tocou o sinal de partida ao invés da minha estratégia usual de deixar a massa ir na frente e pegar leve – só me esforçando para chegar antes do tempo limite – eu dei tudo de mim. Me enfiei no meio da galera e sai nadando loucamente. O frio não me incomodou nem um pouco e minha mente estava tão focada na técnica das braçadas, na minha respiração e em ser eficiente que eu nem sequer tive oportunidade de lembrar do meu medo. Não só eu me achei no meio da galera como comecei a passar algumas pessoas e quando percebi já estava na primeira boia!

Foi inacreditável, mas fiz os 750 metros em 14m30s. Nunca antes, nem durante treinos na piscina, eu sequer tinha conseguido quebrar a barreira dos 20 minutos! Num evento com quase 120 pessoas fiquei nos top 30, duas semanas depois de ter sido o último a sair da água.

Pra mim as lições que ficaram foram:

  • Só desista de uma coisa se ela não for nem minimamente atrativa em nenhum nível para você. Não desista porquê é difícil ou porquê você falhou anteriormente.
  • Descubra qual o seu real problema (por ex: Eu não sei nadar ou tenho medo de água fria?) e ataque-o de frente.
  • Use a imaginação para criar soluções para seu problema.
  • Saia da sua zona de conforto. A vida não é feita só de bons momentos.
  • Tenha disciplina.

E por fim o que não falta por ai são frases motivacionais e encorajadoras, que dão conselhos como “acredite em você mesmo”, “você tem potencial”, “siga seu coração”.

Besteira… Eu sei muito bem minha limitações e incapacidades. Sei das minha fraquezas e falhas e sei que, se dependesse apenas de mim mesmo estaria até hoje comendo bolacha na frente da TV. Por isso faço minhas as palavras abaixo.

Exaltar-te-ei, ó SENHOR, porque tu me exaltaste; e não fizeste com que meus inimigos se alegrassem sobre mim.
Senhor meu Deus, clamei a ti, e tu me saraste.
Senhor, fizeste subir a minha alma da sepultura; conservaste-me a vida para que não descesse ao abismo.
Cantai ao Senhor, vós que sois seus santos, e celebrai a memória da sua santidade.
Porque a sua ira dura só um momento; no seu favor está a vida. O choro pode durar uma noite, mas a alegria vem pela manhã.
Eu dizia na minha prosperidade: Não vacilarei jamais.
Tu, Senhor, pelo teu favor fizeste forte a minha montanha; tu encobriste o teu rosto, e fiquei perturbado.
A ti, Senhor, clamei, e ao Senhor supliquei.
Que proveito há no meu sangue, quando desço à cova? Porventura te louvará o pó? Anunciará ele a tua verdade?
Ouve, Senhor, e tem piedade de mim, Senhor; sê o meu auxílio.
Tornaste o meu pranto em folguedo; desataste o meu pano de saco, e me cingiste de alegria,
Para que a minha glória a ti cante louvores, e não se cale. Senhor, meu Deus, eu te louvarei para sempre.

Salmos 30:1-12

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2 thoughts on “Um conto de dois triatlos (parte 2)

  1. veramrb@gmail.com

    Filho, cada dia que passa eu aprendo com você, todas as vezes
    que fico com vontade de desistir, lembro da sua garra e força de vontade vou em frente.
    Filho, agradeço a Deus todos os dias por essa mudança tão grande no seu estilo de vida.Tenho muito orgulho de você. bjs

  2. Wanderley

    Parabéns Eri, pela determinação e conquistas. Artigo, como sempre bem escrito. Estava andando meio desmotivado com alguns projetos pessoais, mas sua história, muito bem narrada aliás, me ajudou a “despregar a bunda da cadeira” e largar de ser um “fanfarrão, 02”. Abraços.

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