Quando eu era criança por muito tempo não tínhamos TV em casa. Eu já era razoavelmente grandinho quando finalmente meu pai liberou a TV, mas diariamente ele me dizia e fazia repetir algo do tipo: “Na TV quase tudo é mentira e o resto é bobagem”.
Sábias palavras, mas muitos anos depois eu diria que a TV era quase uma santa comparada à Internet hoje em dia.
Lá pelo meio dos anos 90, quando comecei a ter acesso à Internet, eu achei o máximo. Aprendi tanta coisa em tão pouco tempo – mesmo antes do Google e Wikipedia – que pensei que acesso à informação seria uma grande revolução. Conforme mais pessoas conseguissem ter acesso mais elas poderiam se informar, aprender, crescer pessoalmente e fazer um mundo melhor.
Ao invés disso – quase 30 anos depois – o que temos é:
- Gente que acredita em terra plana
- Pessoas que acreditam que vacina causa autismo
- Golpes e mais golpes roubando as pessoas
- Câmaras de eco
- Teorias da conspiração
- Manipulação da opinião pública usando media social
- Solo fértil para os piores tipos de depravação
Mas assim como uma arma não mata ninguém sem um humano sendo o culpado por trás, a Internet em si não é o problema. A Internet apenas potencializou duas coisas bem humanas: Nossa perversidade e nossa estupidez.
Nossa perversidade: Trolls
A Wikipedia não tem um artigo em Português para Troll, mas uma tradução bem liberal do início do artigo em Inglês seria algo como:
“Troll é uma pessoa que inicia brigas ou provoca pessoas na Internet para distrair e semear a discórdia, postando mensagens inflamatórias e digressivas, estranhas ou fora do assunto.”
No início da Internet Trolls eram basicamente pessoas imbecis e maldosas querendo criar problema e provocar discórdias. Mas nos últimos anos se tornou uma arma social utilizada por agências governamentais, candidatos políticos, grandes empresas e todo tipo de pessoa ou instituição com interesses próprios.
A forma favoritas dos Trolls agirem é semeando discórdia. Uma das abordagens mais comuns é criarem uma enorme quantidade de perfis falsos – includindo Twitter, Facebook, Youtube, etc – em dois lados de uma discussão. Vamos por exemplo, dizer que criam perfis Palmeirenses e Corintianos.
O próximo passo é inventar mentiras que são apenas falsas o suficiente para serem críveis e encontrar pessoas daquele lado – digamos Palmeiras – para acreditar sem verificar.
Como são centenas ou milhares de contas falsas, os palmeirenses começam a ser bombardeados com mentiras à respeito dos Corintianos. E como já disse o outro, uma mentira repetida o número suficiente de vezes se torna verdade.
Esse palmeirense que não verificou a veracidade então procede e re-publica a notícia falsa. Agora você, palmeirense que conhece pessoalmente esse cidadão e o considera um amigo ponta-firme e alguém dentro da sua esfera de influência, aceita a notícia sem questionar! Afinal, o fulano não iria passar pra frente uma notícia falsa. E você passa para frente.
Acontece que sua reputação entre seu grupo de amigos é ainda melhor que o fulano. E alguém que pode ter ouvido a notícia de alguém que uma reputação menor e ter ficado em dúvida, assim que ouve de você assume que é verdade.
Os ânimos se inflam, pois as notícias falsas são sempre feitas para mexer com as emoções, e a raiva e ódio pelos Corintianos aumentam.
E ao mesmo tempo os Trolls estão trabalhando no lado oposto e fazendo a mesma coisa!
Para piorar a situação, muitas agências de notícias, jornais, revistas e outras empresas da mídia tradicional, ao verem a Internet explodindo com uma notícia correm para noticia-la também! Afinal não querem ficar para trás.
Está explodindo no Facebook AGORA. Quem tem tempo para jornalismo investigativo? Checar as fontes de informação e separar o joio do trigo? Se não publicar a notícias nos próximos 15 minutos perdeu-se o bonde! Lá se foi o dinheiro de anúncios.
E vamos ser claros aqui: Quando estamos falando de algum assunto mais sério do que futebol, é bem provável que um jornal ou revista prefira um dos lados de um argumento. E aí só se agitam ainda mais os ânimos.
Nossa estupidez: Viés e preconceito
A Wikipedia em Português tem uma pequena lista de vieses cognitivos (comparada com enorme lista em Inglês), mas é o suficiente para apoiar o argumento. A definição de vieses cognitivos é:
“Vieses cognitivos são as tendências de pensar de certas maneiras que podem levar a desvios sistemáticos de lógica e a decisões irracionais”
O mais comum, na minha opinião, é o viés de confirmação:
“… é a tendência de se lembrar, interpretar ou pesquisar por informações de maneira a confirmar crenças ou hipóteses iniciais.
… As pessoas demonstram esse viés quando reúnem ou se lembram de informações de forma seletiva, ou quando as interpretam de forma tendenciosa. “
Eu li um tempo atrás um livro chamado “How to Win Every Argument: The Use and Abuse of Logic” que basicamente ensina como ganhar discussões utilizando esses vieses cognitivos.
Um exemplo clássico: Atacar o indivíduo ao invés do argumento.
Quantas vezes você já ouviu algo do tipo: “Mas esse cara é um baita de um (bandido|petista|corrupto)! Não pode acreditar num cara desse não!!”
Acontece que o cara acabou de falar que a terra é redonda, ou que vacina não causa autismo, ou que o céu é azul! O fato de ser bandido não tem nada haver com o assunto sendo discutido.
Então basicamente o que acontece é que temos a tendência de acreditar sem quase nenhum filtro em coisas que concordem com a nossa opinião e ao mesmo tempo somos radicalmente contra qualquer pessoa ou opinião que seja diferente da nossa.
E ainda tem o preconceito, que de acordo com a Wikipedia:
“Preconceito é uma opinião desfavorável que não é baseada em dados objetivos, mas que é baseada unicamente em um sentimento hostil motivado por hábitos de julgamento ou generalizações apressadas.”
Veja que é um conceito bem amplo, não apenas relacionados a diferenças raciais ou religiosas. Você pode ter preconceito de idéias, valores, lugares, roupas e outros basicamente por causa de uma generalização apressada e muitas vezes inconsciente.
Eu, por exemplo, achava que touca é coisa de maloqueiro. Quem, no Brasil, usa touca exceto maloqueiro de torcida organizada, trombadinha e assaltante? Principalmente no verão.
Bom, no Canadá se não usar uma touca é bem provável que suas orelhas congelem no inverno. Maloqueiro ou não.
Se eu não tivesse revisto meus preconceitos e valores, seria fácil assumir o seguinte: Só maloqueiro usa touca. No Canadá todo mundo usa touca. Logo, o Canadá é um país de maloqueiros. Melhor manter distância.
Conclusão
Acho que onde quero chegar no final das contas é que:
- Nós acreditamos no que queremos acreditar
- Nós somos seres sentimentais e os Trolls e a mídia são especialistas em manipular emoções
- Câmaras de eco são extremamente perigosas
- Por padrão somos preconceituosos e não queremos deixar de ser
Se tivermos pelo menos consciência dos pontos acima, quem sabe não seremos uma vítima tão fácil da imensa fonte de mentiras e manipulação que a Internet se tornou.