Foi um longo processo. Começamos em algum momento em 2006 dando entrada na papelada de imigração, passamos por provas de idiomas, exames médicos, antecedentes criminais, infinitos formulários. Mas no final fomos aprovados como residentes permanentes do Canadá. Deixamos pra trás família, amigos, uma vida cômoda em condomínio, carro, excelente emprego e todo os confortos da classe média brasileira.
Chegamos em Halifax no final do verão de 2007 sem conhecer ninguém, sem perspectiva de emprego e nada além de uma reserva de hotel (o mais barato que conseguimos encontrar). Começa a primeira batalha, tentando voltar para o mesmo status que tínhamos no Brasil.
No começo não foi fácil. A casa que conseguimos alugar era ridiculamente pequena, nos primeiros dias não tínhamos nem colchão e vou dizer que dormir direto no chão foi dolorido. Mas aos poucos fomos conseguindo melhorar. Verdade que ainda hoje a mesa de jantar é a que compramos 5 anos atrás, no Wallmart por $78,00… Mas enquanto não cair aos pedaços vamos levando.
O tempo foi passando e fomos reconstruindo a vida. Achamos uma igreja, arrumamos emprego, mudamos de emprego. Começamos a trabalhar juntos, fizemos amigos, fomos promovidos.
Ao final de três anos a possibilidade de entrar com o processo para virar cidadãos canadenses. Precisa pensar duas vezes? Já sabíamos que ia ser burocrático e demorado, mas vamos lá.
Formulários, taxas, comprovantes, prova, entrevista… Mas finalmente, essa semana:
Sim! Perante a juíza, juramos solenemente (em inglês e francês) fiel e sincera aliança com sua Majestade, a rainha:
“I swear that I will be faithful and bear true allegiance to Her Majesty Queen Elizabeth the Second, Queen of Canada, Her Heirs and Successors, and that I will faithfully observe the laws of Canada and fulfil my duties as a Canadian citizen.”
“Je jure fidélité et sincère allégeance à Sa Majesté la Reine Elizabeth Deux, Reine du Canada, à ses héritiers et successeurs et je jure d’observer fidèlement les lois du Canada et de remplir loyalement mes obligations de citoyen canadien.”
E assim recebemos nossa cidadania canadense.
Presidindo a cerimônia estava a juíza Linda Carvery. Não acho que poderia ter sido uma pessoa melhor. Além de dar um tom mais informal à cerimônia, enquanto mantendo a solenidade do momento ela ainda deu bons conselhos, nos lembrou da importância da guerra de 1812 e como isso definiu o Canadá como nação, voltou a enfatizar a importância da herança francesa e de que somos um país bilíngue.
Ao chamar cada um dos 49 candidatos à cidadania ela conversou com cada um de nós pessoalmente, perguntou nossas origens, que lugares do Canadá já moramos e onde já fomos passear. Nos admoestou firmemente a irmos celebrar naquele dia, pois era um dia especial nas nossas vidas.
Não somos pessoas de fazer muitos amigos, mas os poucos que temos aqui no Canadá são nativos. Não conhecemos nem procuramos conhecer outros brasileiros. Infelizmente também a maior parte desses amigos são do nosso trabalho. E a cerimônia foi num dia de semana de manhã. Ainda assim alguns deles com certeza iriam, mas para piorar todos os principais suspeitos foram mandados em uma viagem a trabalho. Estávamos achando que não ia ter uma alma conhecida para pelo menos tirar uma foto.
Há! A mãe de uma de nossas amigas tem uma parente que conhece a gente e já viajou com a esposa numa dessas shopping trips e não teve dúvida. Mandou a senhorinha lá pra representá-los. Que coisa legal ter uma cara conhecida ali.
Desnecessário dizer que no trabalho somos meio quietos e apenas avisamos o nosso chefe direto que iríamos tirar o dia de folga para ir receber nossa cidadania.
De novo: Há! Ao chegarmos no trabalho no dia seguinte eu estava no meu escritório e o chefão passa fazendo a maior agitação, convocando para uma reunião de emergência na cozinha (até ai tudo bem, é o maior espaço aberto e já tivemos diversas reuniões all-hands ali.). Mas quando eu estava para entrar na cozinha ele me segura e fala: Preciso conversar com você. Nisso a esposa também vem chegando e ele puxa ela também. Já sacamos que tinha coelho no mato.
Quando finalmente nos liberaram pra entrar na cozinha tinha um imenso bolo branco e vermelho, com uma bandeira canadense enorme e todos os funcionários cantando o hino canadense. Caracas… que emoção (mas macho não chora). Recebemos cumprimentos, abraços e felicitações de tudo quanto é canto, fomos lembrados na necessidade de usar “eh” no final das frases e eu garanti a todos que já sei puxar papo sobre a previsão do tempo.
A conclusão que quero deixar é: Não apenas é bom morar aqui, não apenas temos uma excelente qualidade de vida e pouco do que reclamar, mas ainda por cima nos sentimos muito bem-vindos e realmente parte da comunidade. Isso é um sentimento muito canadense que eu nunca tive no Brasil. Eu fazia parte da minha família. Eu tinha meus amigos, eu tinha minha igreja. Mas eram núcleos individuais. Não sei explicar bem, mais aqui parece uma coisa mais coesa. Fazemos parte de um todo. E o governo ajuda a enfatizar isso. Somos um país diverso, feito de pessoas das mais diferentes origens e com todo tipo possível de história e experiência de vida. Somos de tudo quanto é cor e raça. Falamos diversos idiomas (incluindo pelo menos inglês ou francês) e viemos de vários países. Tudo isso importa bastante e não importa muito, afinal somos canadenses.
Please and thank you!