Nem parece, mas essa semana vai completar um mês que estamos de volta à Halifax.
Morar nos Estados Unidos foi uma experiência interessante, porque é um país tão igual, mas ao mesmo tempo muito diferente do Canadá.
No que é igual obviamente o idioma, as lojas e restaurantes de franquia, os carros, músicas, filmes, programas da TV e esportes (apesar dos americanos terem mais inclinação para futebol americano e os canadenses para o hockey). O enorme número de imigrantes e estrangeiros também é algo em comum.
Por outro lado algumas diferenças são chocantes. Falando da população média a impressão é que os Canadenses são em geral mais cultos e sabem mais sobre o mundo.
Eles têm curiosidade sobre outras culturas e não é raro perguntarem como se diz uma coisa ou outra em português. A atitude nos EUA é “This is america. Speak English!”
Lidar com o governo então, nem se compara. Apenas como referência, cruzar a fronteira com o carro abarrotado de coisa, cachorro, papelada para importar nossa mudança que estava a caminho e restabelecer nosso país de moradia novamente como Canadá demorou menos do que o tempo que costumava gastar só na fila da imigração americana cada vez que voltava de viagem. Sem contar as horas extras de quando eles resolviam me dar o tratamento cinco estrelas . Cheguei a perder vôo de conexão por isso.
Os canadenses são muito patriotas, mas nos EUA é assustador. Chega à beira da idolatria como eles reverenciam o país e a bandeira. Nessa última eleição (que daria um post à parte, mas acho melhor não) ouvi mais de uma vez pessoas dizerem que “É um marco exclusivo da democracia americana a transição pacífica de poder”. Sim, porque aqui no Canadá, por exemplo, o antigo primeiro ministro é sempre arrastado pelas pernas e jogado pelado e amarrado numa pedra dentro de um lago congelado. Também ouvi falar que na Europa o novo presidente queima o antigo em praça pública. Ainda bem que existe a américa, né?
De maneira geral os americanos são rudes e mal-criados e parece existir uma atmosfera de constante tensão. Aliás, essa atmosfera não é nem um pouco aliviada pelo fato de porte de arma ter pouca ou nenhuma regulamentação. No Colorado você pode literalmente ir num supermercado e comprar 2 litros de leite, uma dúzia de ovos e uma 9mm.
Não me entendam mal. Eu sou à favor do porte de arma. Mas com uma legislação forte, checagem de ficha criminal, treinamento de segurança obrigatório e um período de espera de 2 ou mais semanas entre encomendar uma arma e poder receber-la. Saber que qualquer louco poderia parar num Walmart e sair com um rifle automático nunca me deixou tranquilo. Aliás, porque raios rifle automático é permitido para civis? Aqui no Canadá não é.
A atitude em relação à imigrantes também é bem diferente. O governo americano deixa patente que você não é bem-vindo. A forma como eles se referem à estrangeiros vivem no país (não naturalizados) é “aliens”. Aqui no Canadá é “landed immigrants”. Na prática é a mesma coisa, mas eu sinto uma conotação pejorativa e agressiva em “aliens”.
As leis em volta de vistos são feitas para prejudicar quem vai pra lá para trabalhar. Eu tinha um visto TN1, exclusivo para cidadãos canadenses. Mas a esposa tinha um visto TD (D para dependent), onde ela não tinha permissão para trabalhar. Até trabalhar remotamente para uma empresa canadense seria ilegal!
Finalmente a minha impressão é que os EUA é um país em conflito. Brancos contra negros. Cidadãos contra imigrantes. Governo contra os cidadãos. Não é bonito de ver. Rola aquela vergonha alheia assistir o noticiário. Não existe o menor senso de comunidade e sociedade. Similar ao Brasil, mas totalmente o oposto do Canadá.
Foi uma experiência interessante e não me arrependo de ter passado dois anos lá. Sei que falei pouco do meu emprego, mas valeu cada desconforto, enrosco e burocracia que tivemos que enfrentar. Foi um conflito interno muito grande decidir voltar, mas Canadá é minha casa.
Lógico que tudo que eu disse não tem base científica nenhuma e reflete apenas minha experiência pessoal.