Em julho desse ano eu me juntei ao time de busca e salvamento de Halifax e estava esperando a oportunidade ideal para fazer um post sobre isso, mas aparentemente não vai acontecer tão cedo.

Esse ano o grupo foi engajado em 23 buscas, sendo 16 dessas de pessoas perdidas – explico mais depois – mas desde que eu estou totalmente treinado e qualificado, nem um único chamado. Imagino que isso deve ser bom, né? Ninguém se perdendo mais… :-\

Como uma busca de verdade não acontece vou aceitar a segunda melhor coisa: Um mega-treinamento, realizado ontem simulando um cenário típico de busca de inverno. Mas deixa eu falar um pouco do GSAR (Ground Search and Rescue) primeiro.

Em 1986 uma família de Ontario veio visitar Halifax e o filho de 9 anos se perdeu numa das nossas inúmeras florestas. Sem uma metodologia ou organização pessoas aleatórias foram se juntando à busca e se enfiando no mato procurando pelo menino. Mais de 5000 pessoas se envolveram no que até hoje consta como a maior busca da história canadense. Infelizmente 5000 pessoas que não sabem o que estão fazendo produzem o resultado esperado: Nada. Quando finalmente acharam a criança era tarde demais e o menino estava morto.

Pelo menos aqui essa história de “lições aprendidas” é levada a sério e o povo foi atrás de aprender a fazer as coisas direito, se organizar, estudar. Metodologias e ciência em cima de busca foi pesquisada no mundo inteiro e finalmente importaram algum conhecimento dos EUA. O povo aqui ficou tão bom no negócio que acabaram reescrevendo boa parte dos manuais e procedimentos e re-exportando de volta para de onde eles vieram.

O GSAR de Halifax é uma organização 100% civil e voluntária, mas está embaixo do EMO (Departamento de Gerenciamento de Emergências) da Nova Scotia e durante trabalhos de busca sempre opera sob o comando de alguma agência da lei (normalmente a Polícia de Halifax ou a Polícia Montada Real Canadense). Em ocasiões especiais pode estar sob o comando do departamento de parques nacionais ou dos militares, mas sempre vai operar da mesma forma, graças a uma metologia de comando chamada ICS (Incident Command System)

Basicamente o GSAR é envolvido em 3 tipos de atividades:

  • Busca de pessoas perdidas
  • Busca de evidências
  • Auxílio em desastres

Buscas de pessoas perdidas

O tipo de chamado mais comum. Grupo de amigos vai fazer trilha num parque e desaparece, velhinho com Alzheimer sai de casa sem falar onde vai e não volta quando esperado, criança vai brincar de esconde-esconde no bosque e não consegue achar o caminho de volta, grupo vai fazer mountain-bike e liga pra emergência falando que não sabem onde estão, adolescente desgostoso da vida resolve que vai se atirar do desfiladeiro e os amigos ligam pra emergência. Resumindo: Tá sumido no mato e não é criminoso o GSAR vai ser engajado.

Uma busca por alguém perdido é sempre uma emergência e estamos constantemente de plantão. O grupo usa um sistema de alerta que liga para 50 pessoas ao mesmo tempo a qualquer hora do dia ou da noite, mais alerta via e-mail e SMS. A vida de uma ou mais pessoas está em risco e é esperado que todos façam o mais esforço possível para comparecer à busca.

O time é extremamente bem preparado para essa tarefa. O tanto de horas em treinamento colocado é realmente impressionante. Toda segunda-feira nos reunimos na base às 19:00hrs e vamos pro mato até mais ou menos 22:00 ou 23:00hrs. Isso é o treinamento de “manutenção”.

Os módulos básicos são “Mapa e Bússola”, composto de uma noite de treino teórico e 1 dia inteiro de treino no mato, “Woodslore” (eu traduziria como “mateiro”) onde você aprende o básico sobre navegação e sobrevivência na mata, 1 noite de teoria e 1 dia e meio de prática e finalmente “Searcher” (“Buscador”) onde aprende-se o básico de ICS, teoria da busca, metodologias, funcionamento prático de busca, navegação noturna e uma busca completa ao final. Esse foi pesado. Uma noite e meio dia de teoria e 2 dias de 12 horas de treino.

Ainda nessa parte o time tem equipamentos. Brinquedinhos como esses:

Caminhões de comando e logística, pick-ups, quadriciclos, anfíbios, torres de comunicação, rádios de qualidade militar, sistemas GIS, unidade canina, geradores, etc…

Busca de evidências

Manja CSI, quando aconteceu um crime numa área florestal e ai eles mostram aquela com um bando de gente andando juntinho olhando pro chão? Então… na verdade aquele tipo de busca (chamado busca tipo 4) é assim:

 

Todo mundo de quatro no chão revirando cada centímetro de um perímetro delineado pela polícia. É o único jeito de achar projéteis de um calibre .22 num bosque, por exemplo. E a polícia sozinha não teria recursos o suficiente para fazer uma busca detalhada assim em tempo hábil. Logo o GSAR é chamado e ele conseguem adicionar 50, 100, 200 pessoas no esforço de recuperar evidências.

Uma busca de evidência nunca é uma emergência e é sempre agendado com antecedência e ninguém é esperado a aparecer. Faz-se o melhor esforço.

Auxílio em desastres

Esse é o tipo mais incomum. Pelo que fui informado a última vez que o GSAR de Halifax foi engajado em auxílio a desastre foi no 9/11 quando milhares de vôos americanos foram desviados para o Canadá e uma enxurrada de gente acabou pousando em Halifax, sem ter hotel ou hospedagem para esse influxo enorme de pessoas a Cruz Vermelha e depois o GSAR foram engajados para ajudar a cuidar dessa enorme massa de gente.

Não sei a política nesse caso, mas acho que a palavra desastre tem uma conotação de emergência… 😛

Eu estou realmente gostando de participar do GSAR e tenho aprendido muito, mas estou totalmente fora da minha zona de conforto lá. Brasileiro, criado numa metrópole onde o parque do ibirapuera é nosso conceito de mata e insolação ou assalto são os maiores perigos entrar num grupo de Canadenses mateiros acostumados com hipotermia é algo bem fora da realidade que conheço. Espero que um dia eu passe para a fase de estar mais ajudando do que atrapalhando (não que alguém tenha reclamado).