Sei que já fiz alguns posts sobre o inverno, mas como estamos às vesperas de mais uma estação e – acredito – ganhei mais alguns leitores desde o último inverno, vale a pena revisitar o assunto.

Muita gente se empolga com a possibilidade de morar no Canadá, lê sobre todas as coisas boas, a qualidade de vida, segurança, saúde e pensa: “Opa! vou dar entrada no meu processo de imigração”. Só esquece que vai enfrentar o inverno canadense.

Antes de continuar o texto quero deixar claro que adoro o inverno. Hoje está um dia especialmente gostoso, no meu ponto de vista: Um céu aberto, sol forte, tão claro que é difícil manter os olhos abertos. Não está ventando e a temperatura lá fora é -10.oC (aquecimento global my ass). Um dia perfeito no meu conceito.

Mas deixa eu falar um pouco do dia-a-dia durante o inverno. Não quero desanimar ninguém, mas se você torcer o nariz para algum dos pontos abaixo, faça um favor para você e para o Canadá: Fique no Brasil.

Começamos pelo que mais me afeta: Escuridão. O dia demora muito para clarear (hoje o sol nasceu às 7:46 e irá se pôr às 16:35). Isso quer dizer que quando você sai para trabalhar ainda está escuro. E quando você volta já está escuro de novo. Curtir o sol só de final de semana mesmo. Isso também significa que temos que tomar complemento de vitamina D.

Pra mim tem um efeito duplo: Tem vezes que estou morrendo de sono às 17:15 e fácil iria pra cama e em outros dias fico acordado até altas horas da madrugada sem nem sentir.

Outro inconveniente é que no Brasil acostumamos assim: “Ah… hoje está tão frio… Vou ficar mais 5 minutinhos na cama”. Aqui é assim: “Ah… hoje está tão frio… melhor acordar uma hora mais cedo”.

Para exemplificar minha rotina no verão é:

  • acordar
  • tomar café
  • tomar banho
  • sair

No inverno:

  • acordar
  • tomar café
  • me equipar: calça térmica, várias camadas de blusas, toca, luvas, botas de inverno, lanternas – está escuro, lembra? – (isso demora uns 5 minutos)
  • limpar a neve do caminho (entre 10 minutos e meia hora)
  • ir até o canil, buscar os baldes de água (gelo) dos cachorros, trazer pra dentro de casa, descongelá-los, colocar água nova, levar de volta pro canil
  • ligar o carro (para ir esquentando e descongelando os vidros)
  • desequipar (leva tanto tempo quanto para equipar)
  • tomar banho
  • Me equipar de novo, mas agora com o agasalho de ir trabalhar
  • Tirar a neve de cima do carro, do vidros, lanternas, placa
  • Sair

Isso tudo considerando que na noite anterior eu já limpei a saída do carro. Se nevou de madrugada posso colocar mais uma hora aí no processo pra limpar a mesma.

Dirigir na neve também não é muito agradável não. Já tomei susto mais de uma vez com o carro se recusando a parar. Já comentei aqui que o limite de velocidade na cidade é de 50KM/h. Quando as condições estão ruins mesmo é normal dirigir no máximo a 30KM/h, mas uma vez meu carro quase não parou num cruzamento onde eu vinha a menos de 20KM/h. Sem contar quando cai uma neve diferente, que parece meio areiosa, que gruda no vidro do carro que é uma desgraça. Fica bem ruim de enxergar.

Aqui em casa temos dois carros: Um utilitário 4×4 e um carro pequeno e econômico, que uso a maior parte do ano. O único problema do último é que quando neva bastante é simplesmente impossível desatolar o bicho. E mesmo quando consigo evito sair com ele, pois não tem muita estabilidade na neve e sacode igual uma pipa nas rajadas do vento ártico.

O fato de morarmos na zona rural, onde a prefeitura só joga areia na pista depois da nevasca, também não ajuda muito. Mais para o centro a prefeitura passa com caminhões limpando a neve (plowers), jogando sal e depois areia. Fica bem mais fácil de dirigir.

Os plowers também passam aqui, mas só deixa mais difícil de sair com o carro pequeno. As enormes pás deles tiram a neve da estrada e jogam para dentro, bem na saída do carro, formando uma barreira de até 50cm de altura, que precisa ser limpa na pá. Ou no caso do 4×4 eu simplesmente passo por cima.

Ah, sim… O sal enferruja os carros e estraga a pintura.

E se dirigir na neve não é legal, andar nela é menos ainda. Perdi as contas de quantos tombos já tomei em casa e na rua. Tem vezes que a temperatura dá uma variada e a neve derrete e volta a congelar antes da água evaporar. Forma uma camada de gelo bem fina e praticamente invisível, chamada black ice. Pisar numa dessa é garantia de tombo.

E a neve rouba espaço. Você já parou para pensar o que fazem com as toneladas de neve que caem no inverno? Eu nunca tinha pensado até morar aqui: Ele amontoam ela num canto. Lá no serviço já perdemos 2 vagas no estacionamento para a pilha de neve que caiu até o momento.

E à medida que os dias vão passando aquela neve branquinha vai juntando sujeira e vira uma coisa nojenta até o fim do inverno, como na imagem abaixo.

Por fim tem os dias em que você fica preso em casa. Felizmente aconteceu só uma vez com a gente. Acordamos de manhã e a porta simplesmente não abria. Tinha uma montanha de neve do lado de fora que não cedia. Foi um dia miserável cavando por muitas horas.

E por falar em cavar por muitas horas, exercício no inverno cansa muito (exercício == cavar neve). Primeiro porquê você está equipado com quilos de roupas e acessórios. Depois pela dificuldade de locomoção quando a neve está muito alta. E até respirar é dolorido. Você precisa aumentar sua freqüência respiratória, mas cada inspiração trazendo ar a -20.oC é uma facada no nariz. E respirar pela boca não é uma boa idéia, pois o ar não passa pelo mesmo processo de aquecimento que passaria pela cavidade nasal.

Eu não quero desanimar ninguém e é possível que a sua realidade seja diferente da minha. O fato de ter 4 cachorros, morar na zona rural onde não tem transporte público, morar em uma casa (ao invés de apartamento) e ter uma driveway enorme fazem as coisas  ficarem mais difíceis no inverno. Mas tenha consciência que de que o inverno aqui não é um final de semana em campos-do-jordão. Aqui o inverno é pra caveira e não pra muleque.