É difícil explicar, mas já comentei antes em algum post aqui no blog que eu nunca fiz nada relacionado a esportes antes de sair do Brasil. Nunca fui rato de academia nem nada parecido. Na verdade tudo que sei e faço relacionado a esportes vem dos últimos 4 anos, então nomes e expressões e conceitos são todos em inglês na minha cabeça. Pra piorar os pesos dos meus lifts são tudo em libras, o que é confuso até pra mim, já que uso o sistema métrico em tudo na vida, exceto pra saber quanto tenho na barra.. ??

De qualquer forma, uma expressão comum – especialmente no CrossFit – é “Pain Cave” (também chamado de “Dark Place” – local sombrio – às vezes).

Não sei se tem uma tradução em português, mas Pain Cave é aquele momento no seu workout que você chega no seu limite mental, mas provavelmente não no seu limite físico. Nosso senso de autopreservação entra em alerta vermelho e grita loucamente com nosso consciente: VOCÊ TÁ LOCO? VAMOS MORRER DESSE JEITO!

Mas a verdade é que esse alerta acontece muito cedo e é possível ainda ir muito longe mesmo depois que ele soa. A parte difícil é ignorar esse estado mental e continuar indo em frente. É preciso ter resiliência mental.

Pessoalmente não tenho problema com isso com uma atividade de intensidade leve ou moderada, mesmo que seja um evento de longa duração, como uma maratona. Em compensação se for alguma coisa de alta intensidade, eu vou pedir arrego muito, muito fácil. E eu odeio fazer isso.

Eu sei que é uma barreira mental quando lá pelo meio do workout eu começo a remoer na minha cabeça o quanto eu odeio me exercitar, que eu fui obeso a vida inteira e devia me conformar com isso. Que é ridículo o tanto de sofrimento que estou passando no momento, que a dor que estou sentindo tá no ponto de chorar e – finalmente – que eu nunca mais volto pra academia na minha vida. Ai dou uma olhada rápida no relógio e só está marcando 2 minutos. A vontade é de morrer ali mesmo. Pelo menos acaba o sofrimento. Local sombrio sem dúvida.

O que acontece comigo quando chego nesses estágios é que minha performance cai dramaticamente. Aquele instinto de autopreservação consegue entrar em ação e quando eu vejo já estou tirando um descanso, dando uma bebericada na garrafa d’agua ou me apoiando na parede pra respirar. E alguém já está gritando comigo “KEEP MOVING!!!”

Mas isso não se aplica apenas a esportes. Resiliência mental é importante em todas as áreas da vida. Caso você não tenha reparado ainda a vida não é fácil não e apesar de ser possível ignorar as dificuldades, ou adiá las um pouco, mais cedo ou mais tarde o bicho pega.

O que eu mais sofri a vida inteira – e muita gente que conheço ainda sofre – é auto-controle quando o assunto é comida. Dietas uma atrás da outra, com variados níveis de sucesso, mas quase 100% das vezes voltando ao peso anterior, ou até mais.

Açúcar e doces são viciantes. E não estou falando figurativamente. São realmente mais viciantes do que heroína e cocaína. É potencialmente mais difícil deixar de ser gordo do que drogado. Na próxima vez que criticar um viciado tenha certeza que não precisou daquela bolachinha no lanche da manhã.

A má notícia aqui é que resiliência mental – talvez quase a mesma coisa que força de vontade – é um recurso finito. Você só tem uma determinada quantidade pra utilizar e depois disso provavelmente vai quebrar a sua resolução.

Por outro lado a boa notícia é que é possível treinar e aumentar sua resiliência, além de usar algumas técnicas para preservar sua força de vontade ao máximo. Vamos começar pelo mais fácil, que é preservar a força de vontade que já temos.

Sabe qual o jeito mais fácil de comer um doce? Ter um doce pra comer. Se quando você está de regime e abrir a geladeira você achar pudim vai ter um limite de vezes que você vai conseguir fechar a porta ignorando o pudim. Você vai comer o pudim mais cedo o mais tarde. Isso é um problema principalmente para quem é a única pessoa na casa fazendo regime e precisa ser endereçado corretamente.

A sua vó, mãe ou esposa pode ter a melhor da intenções, mas chame pra uma conversa e bote as cartas na mesa: Excesso de peso tem consenqüencias sérias a curto e longo prazo, indo de diabetes e problemas cardíacos até câncer. Doce e açúcar são efetivamente viciantes e assim como você não fica tentando um alcóolatra deixando uma caipirinha na geladeira você não deve tentar um gordinho com um pudim.

Isso vale pra outras áreas da vida também. Seja qual for o aspecto que você queira melhorar, mas o desafio é constante e vira e mexer você falha, o ideal é diminuir a quantidade de vezes que você se expõe.

Pra mim comida é um problema até hoje. Um exemplo do que faço é que toda quinta-feira tem happy hour no salão social lá no escritório. Comida e bebida à vontade. Minha solução é fácil: Simplesmente fico na minha mesa. Zero tentação. Zero chances de falhar.

O que é mais fácil: Deixar passar bolo, brigadeiro e empadinha numa festa de aniversário ou simplesmente não ir a uma festa de aniversário? Pra mim a resposta é bem clara. E eu não fico considerando o que os outros vão pensar de mim. No final das contas quem paga minhas contas sou eu.

Treinar a resiliência, por outro lado, é horrível. Mas estranhamente satisfatório ao mesmo tempo.

Coisas que já fiz ou ainda faço:

60 dias de flexão de braço

Todo dia ao acordar faça uma flexão de braço imediatamente. Ali no pé da cama mesmo. No dia seguinte faça duas. No terceiro dia três e assim por diante. Por 60 dias sem parar. É uma coisa horrível. Ao acordar os músculos estão rígidos e frios. Nossos hormônios ainda estão regulados pro descanso, não existe a menor vontade de sequer abrir os olhos e você tem 20, 30… 60 flexões pra fazer. Pain cave 10 segundos depois de acordar. Se é uma Segunda-feira então as chances de preferir não ter nem acordado crescem exponencialmente. Seu auto-conhecimento vai aumentar bastante durante esses 60 dias. Ninguém vai estar lá te obrigando. Você não precisa prestar contas pra ninguém se fez ou não suas flexões. Você não vai virar o Rambo ao final dos 60 dias. Sua esposa/marido talvez até te critique e vire os olhos pra você durante esses 60 dias. Não existe propósito, exceto aumentar sua força de vontade e auto-conhecimento.

Jejum

Talvez seja uma surpresa pra você, mas a gente não precisa comer três ou mais vezes ao dia. Aliás, podemos ficar um bom tempo sem comer. Um sujeito bem obeso fez jejum por 382 dias. A maior barreira com jejum costuma ser mental. Nosso sistema de alarme começa a berrar depois de 12 horas – ou até menos – pra quem é viciado em comida. Algumas pessoas tem até efeitos psicossomáticos e acham que vão morrer depois de poucas horas sem comer. Comece com períodos mais curtos de 12 horas de jejum e depois vá aumentando. 18 é um bom período de jejum pra ser feito umas duas ou três vezes por semana. Um jejum de 24 horas ou mais uma vez por mês. Ainda não fiz isso, mas quero fazer 5 dias de jejum. Até hoje só cheguei a 36 horas.

Banho frio

Esse deve ser o que mais odeio. Comentei sobre isso num dos posts sobre triatlo. Existem diversos benefícios em tomar banho frio, como ajudar em perda de peso e estimular o sistema imunológico, mas pra mim é simplesmente horrível e um dos exercícios de força-de-vontade mais difíceis. Pensando agora acho que a última vez que fiz isso foi em 2014. Boa sorte pra quem quiser tentar.

Exercícios de alta intensidade

É nesse que estou trabalhando no momento, como podem ver pelo início do post. Ainda me considero um fraco nesse ponto.

Vou usar como exemplo o workout “Fran”: 21-15-9 Thrusters @95lbs / Pull-ups. Esse sujeito fez Fran num impressionante tempo de 1m:59s. Meu tempo atual de Fran é 8m:10s. E com peso mais baixo (65lbs). Eu conscientemente sei que consigo fazer isso mais rápido com o mesmo peso ou talvez num tempo parecido com mais peso. Mas eu tenho um imenso bloqueio mental com thrusters. Faz muito tempo que estou tentando superar, mas é muito difícil pra mim.

Mas nem tudo está perdido. Recentemente fiz algum progresso e consegui mergulhar mais fundo na pain cave do que jamais tinha conseguido. Primeiro foi num workout que era simplesmente 1000m de remo. Consegui em 3m:31s me sentindo mais à beira da morte do que em qualquer outro workout antes. E o fato de ter saído de lá andando e ido trabalhar logo a seguir mostra como realmente era apenas um bloqueio mental.

O outro momento a ser lembrado foi essa quinta passada. O outro tipo de exercício que odeio – e que é muito parecido com thruster – é wall-ball:

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Toda vez que tenho um workout com wall-balls eu já preparo um plano pra quebrar em grupos de 4 a 6 wall-balls entre intervalos de descanso. E alguém sempre grita comigo por causa disso.

Essa quinta o workout era: 50-40-30-20-10 Sit-ups / Wall-balls. E o coach já avisou: Quero ver pouco descanso. De novo, ignorei meus pensamentos o máximo possível e encarei o dark place e consegui fazer 25 wall-balls sem intervalo. 25! De um limite normal de ~5 em seguida! Isso só reforça – de novo – o limite mental sendo muito mais problemático que o limite físico.

Não estou falando que aumentar sua resiliência mental vai fazer a vida mais fácil, mas é bem provável que faça dela um pouco menos horrível. Como dizem os militares por aqui: “Embrace the suck”.