Deixa eu contar aqui uma historinha sobre como funciona o mundo capitalista, como o mesmo impulsiona o desenvolvimento do software livre e porquê o Linux é tão superior no backend (servers) do que no frontend (desktops).
Era uma vez uma empresa muito, muito grande. Ela não só estava na lista das 500 maiores dos Estados Unidos, mas na lista das 100 maiores, das 50 maiores e das 20 maiores. Seu faturamento anual é na casa dos 8 bilhões de dólares e seus funcionários, seus clientes e seus investidores são pessoas muito felizes.
Essa empresa faz questão de sempre ter a melhor infra-estrutura de tecnologia possível e por isso tem um time de engenheiros top de linha, que estão constantemente buscando novas soluções no mercado.
Um dia este time de engenheiros decide que uma nova tecnologia (hardware) que começa a despontar no mercado é muito interessante e que eles deveriam começar a analisar mais a fundo a possibilidade de implantar aquilo na empresa, para manter os negócios bem, os funcionários bem pagos, os clientes bem atendidos e os investidores ricos.
O time de engenheiros desta empresa chama então uma reunião com os 5 ou 6 principais fabricantes deste novo tipo de hardware fala: Estamos pensando em incluir esta tecnologia na nossa planta. É um projeto de longo prazo e devemos homologar o produto por cerca de 2 anos antes de colocar em produção (Pois é. Só empresinha pé-de-chinelo acha testar uma semana é homologar).
Caso esta nova tecnologia seja homologada, um de vocês irá ser o nosso fornecedor. Temos cerca de 10 MIL servidores para implementar numa primeira fase. A política de disaster recovery exige que todos os componentes de hardware sejam duplicados dentro dos servidores. Isso significa que vamos adquirir inicialmente 20 MIL componentes.
Deixa eu abrir um parênteses aqui que não tamo falando de coisa barata, ok? Cada um dos componentes deve custar entre US$ 1.500 e US$ 3.000.
Ai, todos os vendedores dos fabricantes (e os engenheiros que vieram acompanhando) que estão na sala já começam a babar, né? Os olhinhos quase saltam das órbitas e nego já tá até pensando na aposentadoria garantida à partir daquele momento.
Nisso os engenheiros falam: A condição inicial é que o seu hardware deve ter drivers para Linux. Quem não tiver drivers para Linux e nem planejamento para tê-los nos próximos 6 meses pode sair da sala agora.
Quantos fabricantes você acha que sairam da sala? Amigão, neste momento se Linux não estava nos planos da empresa, passou a ser prioridade UM. Neste momento, meus queridos leitores, cada um daqueles fabricantes é Linux desde pequenininho.
Como ninguém sai da sala, os engenheiros continuam:
Nossos critérios para escolher quem vai ser o fornecedor vai seguir a seguinte ordem:
1- Drivers open-source (GPL v2)
2- Drivers como parte das principais distribuições Linux Enterprise por padrão
3- Drivers na main line do kernel
4- Critério técnico 1
5- Critério técnico 2
n – Critério técnico n
n+1 – Preço
Perceberam como as coisas funcionam em empresas realmente grandes? Eles tão cagando pro preço. Eles sabem que coisa boa custa caro. Não é relevante.
Neste momento, os vendedores dos fabricantes e seu engenheiros olham para a tela sendo projetada no auditório e pensam: Hummm… Nossa tecnologia é superior aos outros nos critérios técnicos X e Y, mas apesar de termos drivers para Linux ele não é open-source.
Mais uma vez, caros leitores. Quantos destes vendedores vocês acham que falaram: “Não! Eu não vou abrir os drivers do meu dispositivo por apenas 30 milhões! Eu cuspo nessa oferta! VOU EMBORA!” ???
Pois é… Se agora a pouco cada vendedor tirou um pinguim de pelúcia de dentro da mala, neste momento cada um faz questão de mostrar sua versão encadernada com capa dura da GPL. Um sujeito tira do bolso uma foto dele com o Stallman.
Cá entre nós, a briga entre os fabricantes vai ser cabeça-a-cabeça pelo preço. Todos eles vão fazer das tripas coração para ficar pau-a-pau em todos os outros critérios.
Se você analisar, apenas um deste fabricantes vai ser o vencedor, mas até o final do processo todos eles vão ter drivers opensource na mainline do kernel. Isso para um dispositivo de hardware caríssimo e com tecnologia ponta de linha.
Se você acha que o Linux é muito superior em servidores do que em desktops por culpa dos desenvolvedores que não dão o foco necessário, está na hora de rever seus conceitos.
As grandes empresas sabem que o “business” roda nos servidores e é lá que elas colocam seus esforços e suas fichas.
Os desktops são apenas terminais baratos e facilmente substituíveis que permitem que as pessoas interajam com estes servidores. É mais importante que o usuário se sinta em casa usando ele (MS-Windows, alguém?) do que o preço que ele custa.
E se você acha que a empresa muito muito grande fez todas essas exigências sobre software livre porque eles são também muito muito bonzinhos, pense de novo amigão. Os governos só estão aprendendo agora, mas as grandes empresas há muito tempo não confiam em ninguém. E ai vale a máxima: Show me the code.