Todos os dias a gente enfrenta um bombardeio de decisões. Um estudo estima que uma pessoa toma, em média, 35 mil decisões por dia. Claro, a maioria é automática — coisas que o cérebro resolve no piloto automático sem a gente nem perceber. Por outro lado, tem aquelas decisões que exigem atenção total, que são tão importantes que podem mudar o rumo da nossa vida. O problema, na minha opinião, está no meio do caminho: as decisões que não são automáticas o suficiente para o subconsciente dar conta sozinho, mas também não são tão cruciais a ponto de fazerem diferença no grande esquema das coisas.

É aí que entra o conceito de “fadiga de decisão”. A ideia é simples: quanto mais decisões você toma, pior fica a qualidade delas ao longo do tempo. Pesquisas mostram que, assim como os músculos se cansam após esforço físico, o cérebro também sofre desgaste após um longo período de tomadas de decisão contínuas. Por exemplo, um estudo clássico analisou mais de 1.100 decisões judiciais e descobriu que juízes eram significativamente mais propensos a conceder liberdade condicional no início do dia ou após uma pausa, enquanto as chances caíam drasticamente à medida que o dia avançava (Danziger et al., 2011).

Pense num dia de trabalho intenso, daqueles em que tudo acontece ao mesmo tempo e você precisa analisar e resolver um monte de coisa. Teoricamente, no final desse dia, suas escolhas vão ser bem menos acertadas do que no começo.

Dá pra fazer uma analogia fácil com fadiga física. No início de uma maratona, os primeiros quilômetros fluem tranquilo. Mas lá no final, os últimos 200 metros parecem uma eternidade. O mesmo acontece com a cabeça: se uma daquelas decisões que mudam a vida aparecer no fim de um dia exaustivo, a fadiga de decisão pode te sabotar. Há evidências de que ela afeta desde as habilidades cognitivas até o autocontrole (Baumeister et al., 1998). É receita pra dar ruim.

Quando a vida te joga na parede, não tem muito como escapar. Mas uma coisa que dá pra fazer é reduzir intencionalmente o número de decisões. Eu sou fã de carteirinha de sistemas e métodos. Com um objetivo claro em mente, eu só penso no menor próximo passo que preciso dar e repito isso até chegar lá. Voltando à maratona: se quero correr 42 km, não saio por aí tentando engolir essa distância de uma vez. Começo com 5 km. Na próxima, 6 km ou 7 km, e vou aumentando aos poucos até os 42 km.

Com decisões é a mesma lógica. Se eu consigo criar um método pra cortar uma, duas ou até dez escolhas por dia, é isso que eu faço. Quase todas as minhas camisetas “de trabalhar” são pretas ou cinza escuro. Todas lisas, de manga curta, praticamente iguais. Quando viajo pro escritório, pego o monte, embalo e cada dia uso a próxima limpa. Simples. Em casa, onde passo a maior parte do tempo trabalhando, o esquema é parecido: comprei um pacote de camisetas pretas da Costco — feias e baratas demais pro escritório, mas ótimas pra ficar em casa — e todo dia pego a que tá no topo da pilha. Calça? Tenho duas. Uso uma por uns dias, troco quando a esposa lava a roupa.

Minha rotina matinal é quase um ritual. O café já tá pronto pra ser feito, é só ligar a cafeteira. Meus livros tão selecionados, com trechos marcados pra leitura. A sequência de eventos entre acordar e começar o trabalho é coreografada e repetida todo dia. No meu blog em inglês, já falei sobre como sempre inicio meus dias de trabalho do mesmo jeito — sem pensar muito, mantendo as decisões no mínimo.

Hoje em dia, não me preocupo tanto com isso, mas outra dica boa é planejar as refeições. Dá pra resolver a semana inteira num domingo e tirar esse peso da cabeça.

No fim das contas, a ideia é simplificar a vida onde dá. Se eu consigo tirar o peso de decisões bobas do dia a dia — tipo qual camiseta usar ou o que comer no almoço — sobra mais energia praquilo que realmente importa. Não é sobre virar um robô sem espontaneidade, mas sobre criar espaço mental pra encarar os desafios grandes sem estar com o tanque vazio.

Pra mim, sistemas simples como esses são tipo um superpoder escondido: não resolvem tudo, mas ajudam a não pirar no processo.

Então, se você sente que tá tomando decisões demais e terminando o dia com a cabeça fritando, talvez valha a pena testar essa abordagem. Corte o que der, automatize o trivial e guarde o cérebro pras coisas que valem a pena.

Fadiga de decisão é real, mas com um pouco de planejamento dá pra correr a maratona da vida sem desabar antes da linha de chegada.


Fontes