Incentivos são coisas complicadas. Os seres humanos são complicados. E, quase sempre, as pessoas que implementam incentivos são ou ingênuas, ou desinformadas, ou simplesmente mal-intencionadas. Talvez até uma combinação dos três.
Um exemplo clássico de incentivos saindo pela culatra é o “Efeito Cobra.” O termo vem de uma história (real ou não) do período em que o império britânico dominava a Índia.
Reza a lenda que a cidade de Delhi sofria com uma infestação de cobras venenosas, causando caos e inúmeras mortes. O governo britânico, na tentativa de resolver o problema, criou um programa de recompensas: pagar às pessoas por cada cobra morta que trouxessem.
A ideia parecia genial — até que começou a dar errado. Não demorou muito para que alguns cidadãos mais espertos começassem a criar cobras, garantindo uma fonte contínua de renda. Quando o governo percebeu a artimanha, cancelou o programa. E o que aconteceu com todas aquelas cobras criadas? Foram soltas. O resultado? Um problema ainda maior.
Esse tipo de falha não é exclusivo de um contexto histórico. Em 2018, o México lançou o programa “Sembrando Vida,” com um orçamento de 3,4 bilhões de dólares, para combater a desflorestação e a desertificação. A ideia era simples: pagar fazendeiros para plantar novas árvores. Mas e se sua propriedade já é coberta por floresta? Bem, a solução óbvia seria… desmatá-la. Foi o que muitos fizeram. O programa, concebido com boas intenções, resultou na devastação de quase 73 mil hectares em 2019.
No mundo corporativo, o caso da Expedia é um exemplo intrigante de incentivos trabalhando contra a própria empresa. Durante anos, a companhia gastou 100 milhões de dólares anuais com o suporte ao cliente. O problema? Milhões de ligações de clientes que não recebiam seus itinerários de viagem por e-mail.
A razão era simples: e-mails incorretos, mensagens marcadas como spam ou deletadas por acidente.
Os incentivos, no entanto, criaram um paradoxo. O time de vendas tinha como meta vender pacotes de viagem, e cumpria esse objetivo com 40 milhões de transações por ano. O time de TI garantia que o processo de compra era rápido e eficiente. Já o suporte ao cliente resolvia os problemas rapidamente, reenviando os itinerários em menos de dois minutos. Individualmente, todos os times atingiam suas metas. Coletivamente, a empresa perdia 100 milhões por ano.
Essas histórias nos ensinam que, ao criar incentivos, é essencial considerar não apenas as consequências imediatas, mas também as de segunda e terceira ordem. Quem define métricas e recompensas costuma assumir que as pessoas são, em sua maioria, bem-intencionadas. Talvez porque não tenham crescido no Brasil, como eu, e prefiram viver em um mundo de faz-de-conta onde ninguém busca explorar o sistema.
Como bem disse Upton Sinclair: “É difícil fazer um homem entender algo quando seu salário depende de ele não entender isso.”
Por isso, governos, empresas e até pais de família precisam ter muito cuidado ao criar incentivos. Antes de implementar qualquer medida, é crucial considerar como ela pode ser explorada e quais resultados imprevistos podem surgir. Incentivos não são neutros; eles moldam comportamentos, muitas vezes de maneiras que não esperamos ou desejamos. Uma análise criteriosa — que inclua questionamentos como “o que pode dar errado?” e “quem pode se beneficiar disso de forma imoral?” — é indispensável para evitar transformar soluções em novos problemas.
No final das contas, medir e implementar incentivos não é apenas uma questão de lógica, mas de responsabilidade. Cada métrica ou recompensa que criamos tem o potencial de impactar vidas e moldar sistemas. E, como mostram as histórias, os maiores erros geralmente vêm da pressa em agir sem refletir. O desafio, portanto, não é apenas criar incentivos que funcionem, mas garantir que eles reflitam os valores e objetivos de longo prazo que realmente importam.