Minha idade pode ou não ser relevante para o contexto deste post, mas basta dizer que quando eu era jovem a cultura – pelo menos no meu circulo de convivência – é que lugar de cachorro é no quintal.

Mesmo quando já tinha minha própria casa e trouxe meu primeiro rottweiler a decisão foi de deixar ele no quintal. Sabe aquela história de fazer uma coisa de um jeito porque ela sempre foi feita daquele jeito? Sem considerar racionalmente todos os aspectos envolvidos? Pois é.

Encurtando a história, criamos nossos três rottweilers no quintal, e mais tarde quando viemos para o Canadá em canil. Me corta o coração quando penso nisso hoje em dia. Mas o vira-latas xodó foi permitido dentro de casa.

Apesar da minha comunicação com os rotts sempre ter sido boa, com o Pingo era possível ver como ele entendia a gente com muito mais nuance.

Infelizmente ele era um cachorro traumatizado (era um cachorro de rua que resgatamos com mais ou menos 6 meses de idade). Não sabemos por quantas ele passou, mas nos 15 anos ao nosso lado ele ainda era desconfiado e evitava ficar no mesmo cômodo que a gente a maior parte do tempo. Isso sem dúvida atrapalhou saber realmente o quanto ele nos entendia.

Mas agora temos o Logan. Desde as 8 semanas de idade ele está constantemente com a gente. Em Abril ele faz 3 anos e, exceto por uma semana que fomos viajar e 4 meses que eu trabalhei num escritório ficando fora 8 horas por dia, ele passa praticamente 24hrs por dia comigo.

Ele fica no meu escritório durante o dia, sai pra correr comigo se vou na rua ou deita na caminha dele e me assiste correr na esteira se esse é o caso. Ele fica embaixo da mesa ou do balcão da cozinha enquanto fazemos nossas refeições e dorme no quarto com a gente. Sem contar o tempo dedicado a treinar com ele, escovar, etc.

Juntando essa constante interação e o temperamento mais auto-confiante que do Pingo é impressionante a nossa comunicação. O vocabulário e o conhecimento que ele tem da nossa rotina é de assustar.

Uma rápida pesquisa na Internet vai mostrar diversos estudos mostrando a capacidade assombrosa que os cães tem de entender nosso vocabulário, mas realmente ver no dia-a-dia é muito bacana.

É importante, porém, destacar que não me considero um dono de cachorro mediano. Eu estudei – e ainda estudo – muito sobre adestramento, comportamento animal, psicologia canina e etc. Então eu intencionalmente me comunico melhor do que a maior parte das pessoas faria normalmente.

Mas aqui umas coisas interessantes que vou ressaltar:

Palavras tem significados diferentes dependendo do contexto

O Logan claramente sabe identificar o que eu quero dele, mesmo que eu use a mesma palavra em diferentes contextos. Por exemplo, eu tenho um comando de treino chamado “comigo”. Quando estamos treinando e eu falo “comigo” ele sabe que deve vir e ficar entre as minhas pernas.

Porém se estamos dentro de casa num cômodo e digo, “você quer vir comigo?” ele já levanta e espera para ver onde vamos.

Outra palavra é “chega”. Quando canso de tacar a bolinha para ele pegar eu digo “agora chega”. Ele recolhe a bolinha e corre pra porta da casa esperando para entrar. Mas quando ele ouve um barulho na frente da casa e resolve latir eu também digo “agora chega” e ele para de latir. Ou quando ele começa a se lamber igual um maníaco eu também posso falar “chega” e ele pára. Me parece que ele entendeu que a palavra chega significa encerrar seja qual for a atividade que estiver naquele contexto.

Indicação de direção

Quando ando com ele solto inevitavelmente acabamos em uma intersecção num momento ou outro ele olha para mim e basta apontar na direção que ele sabe onde ir. Ou mesmo quando estamos correndo Canicross ele está mais à frente e eu posso precisar direciona-lo numa esquina apenas apontando para onde quero que a gente vá.

Não só isso, mas ele entende “subir” e “descer” também. E novamente com contexto. Se estamos na sala e eu digo “desce” ele vai para a escada do porão. Mas se ele está em cima de alguma coisa ele sabe que “desce” é para sair de cima.

E ainda vale apontar para cima ou para baixo e ele sabe se é para subir pro andar de cima, por exemplo.

Roupas e rotinas

Nós participamos de um clube de treinamento. Eu tenho uma roupa que é praticamente um uniforme que uso durante os treinos. É só eu pegar essa roupa e o cachorro já pira. Apesar do tempo entre eu vestir essa roupa e a gente efetivamente começar a treinar tomar umas 2 horas ele associou uma coisa com a outra perfeitamente.

Mas não só isso. Ele sabe que quando eu entro em conference calls (pego o headset e coloco na cabeça), não adianta vir pedir atenção. Aliás o que normalmente acontece é que ele já vai e deita embaixo da mesa. Mas o danado reconhece quando digo “alright people, talk to you later” e já vem serelepe pedir pra sair. Ele aprendeu que quando termino minha stand-up meeting eu sempre saio com ele um pouco.

Eu a esposa nos trocando ao mesmo tempo e pegando sacola? Já fica puto porque sabe que vamos sair (ir ao mercado) e ele não vai.

Se eu saio do meu escritório e vou para a cozinha e abro a geladeira? Ele deita na cama dele porque sabe que vou cozinhar e não dar atenção para ele.

Ele facilmente também reconhece nossa rotina de final-de-semana, que envolver assistir televisão (coisa que não fazemos de dia de semana). Então ele sabe que não muito depois de comer vamos para a sala de TV. Às vezes ainda estamos passando um café e o cachorro desaparece. Já está nos esperando na frente da TV. Aliás, ele sabe que se eu digo “Netflix” ele pode correr pra sala de TV.

Domingo é o dia mais diferente que temos. Nossa rotina é completamente diferente e ele sabe que vai passar algumas horas cochilando na caixa dele. Eu nem preciso mandar ele. Ele sabe que é Domingo e se voluntaria ele mesmo a entrar na caixa. Eu às vezes nem fecho a porta. Colocar ele na caixa não é uma coisa que eu faço, exceto se tem alguém fazendo manutenção na casa. Mas ele sabe a rotina de Domingo e percebe fácil que é dia de cochilo.

Tem muitas outras coisas menores, como perceber que eu vou levantar do sofá porque dou uma respirada mais forte por exemplo.

Comunicação em mão dupla

A comunicação é de duas vias. Não só ele entende o que falamos com ele, mas ele também sabe deixar bem claro o que ele quer. E pior do que isso ele sabe como me irritar para conseguir o que quer.

Quando precisa ir lá fora fazer as necessidades ele senta na porta e resmunga. Às vezes até põe a cabeça entre a cortina e a porta.

De duas em duas hora sem falha durante o expediente ele quer brincar. Ele senta quieto e fica me encarando com um olhar penetrante. Extremamente irritante. Se isso não for o suficiente ele começa a lamber o beiço fazendo aquele barulho que me deixa tenso.

Ele tem uma kong que é o amor da vida dele. Eu falo que é chupeta dele. Ele leva para todos os lados e quer constantemente que a gente brinque com ele. Então para dar um pouco de sossego eu tiro a kong dele e coloco em cima da geladeira onde ele não alcança. Quando ele resolve que quer de volta a kong ele senta no meio da cozinha e fica encarando a kong. Ai olha pra mim e olha pra kong. Olha pra esposa e olha pra kong. “Alguém pega pra mim esse negócio”. É hilário.

Tem muitas outras nuances e histórias, mas esse post já está muito longo.

Tem um projeto muito legal chamado “They Can Talk” (eles podem falar) que desenvolve botões com palavras que os cães podem apertar para “falar” com as pessoas. É um projeto científico que está tentando entender os limites do que os cães conseguem entender e expressar. Alguns cães comprovadamente conseguem reconhecer mais de 1000 palavras.